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Budas & Balanços

Era uma quarta feira e a cabeça do meu buda caiu.

Pronto, pensei. O mundo vai acabar. Se eu jogar no Google "significado de buda sem cabeça", vou acabar descobrindo que terei 9 anos de azar e uma hérnia de disco.

Eu, que nunca fui mística, depois de me mudar para a beira do rio, fui picada pelo mosquitinho do incenso de 5 reais.

Começa bem devagar.

Sutil, sutil.

Primeiro, você descobre o que é o hibisco - e se vê pagando caro numa sementinha rosa metida a besta.

Depois, você escuta a Juju falando com o seu João da padaria: "Amigo, você sabe qual o seu Kin"? E percebe que, além dos signos do zodíaco, existem símbolos folclóricos que condizem com sua data de nascimento - o tal do Kin. De um dia pro outro, além de geminiana, virei um macaco intergaláctico azul, com orgulho.

Pois bem. Sendo um macaco intergaláctico azul comedor de hibiscos, já me sinto mística o suficiente para adentrar o portal dos portais, a famosa, temida e famigerada: lojinha esotérica.

Uma vez lá dentro, você automaticamente recebe a carteirinha de jovem místico e cheiro de caixinha de bijuteria de vó. O aroma antigo da couraça de incensos borbulha por todos os cantos, é impregnante mas satisfatório. O vendedor jura de pé junto que são de Bali, a gente finge que acredita e sai feliz porque o cheirinho, ah, o cheirinho...

Mas aí vem a consagração máxima: a mini estátua de Buda.

Parafraseando Gil, você não é tanto esotérico assim se não tiver o budinha te olhando despretensiosamente, na mesinha da sala. Agora sim, com meu budinha made in China, me sinto uma verdadeira moradora da Guarda do Embaú.

Quem frequenta o litoral de Santa Catarina sabe que existe um hype, quase um fetiche, por estátuas de Buda. Aqui, a galera mistura esoterismo com budismo a um nível que deixaria Buda lelé da cuca. Afinal, ele foi o cara que abandonou as riquezas do seu palácio para meditar e criar uma das mais importantes religiões orientais - que inclui o autoconhecimento e não adoração de deuses. Acho que ele não ficaria muito confortável dando um rolê na Praia do Rosa e vendo a galera que se adorna de luxuosos objetos com seu rosto para forjar religiosidade.

Budas. Budas everywhere.

E balanços. Sim, aqueles, de criança.

Por aqui, existe um balanço na areia de todas as praias. Você se depara até com balanços que te levam, literalmente, rumo a um precipício. O que importa é a cafonice pra foto.
Budas e balanços. O que eles tem em comum, além da legião de hipócritas preocupados só com a imagem?

A iconografia de Buda representa, dentre tantas outras coisas, o despertar. Uma iluminação que só é possível com a mesma oscilação e a insegurança de um balanço. Buscar o conhecimento que livra o homem do sofrimento e lhe dá serenidade, não é um atalho divertido como um escorrega. É árduo, hesitante. 

Definitivamente, um balanço.

Eu nunca fui mística. Mas não sou nem doida de deixar um Buda sem cabeça. 

Então peguei o super bonder na porta da geladeira e dei um jeito: Budas sem cabeças te fazem pensar.

Se um dia eu tiver uma lojinha esotérica, ela vai se chamar Budas & Balanços. Nada mal, também, para um nome de banda neo-funk hypster do Sul de Florianópolis.

Ou, quem sabe, o título hermético de algum livro que vai confundir os bibliotecários: Budas & Balanços? Será que fica melhor na sessão de espiritualidade ou arquitetura?

Puts, é crônica.